Sobre Vieiras

Talvez nada soe mais blasé (ou seja, que exprime completa indiferença pela novidade) no seu dia do que este texto. Mas dias atrás, fiquei chapando ao pensar em como eu, um mano que juntava moeda pra comprar três eithão por um real na quebrada de Francisco Morato/SP, cheguou a Florianópolis e pode comer uma porção de vieiras.

As vieiras (Pecten maximus), assim como as ostras e berbigões, são moluscos encontrados em abundância nos mares do norte da Europa. Suas conchas coloridas são disputadas por colecionadores, e na vida selvagem é o único bivalve migratório, capazes de se mover e conhecidas como nadadoras ativas. Apreciadas como um alimento refinado, ficaram conhecidas pela sua representação no Nascimento de Vênus (1483), de Botticelli, ou, como fato menos interessante, Vieira, em V maíusculo, também é o meu sobrenome.

Sempre achei curioso o estudo da origem dos nomes. Antigamente, apenas os mais nobres tinham nomes de família, enquanto os plebeus usavam sobrenomes para se diferenciar dos outros pela profissão, pelo que plantavam e produziam ou pelo local de origem. Foi assim que surgiram os "Ferreiras", "Oliveiras", "Pereiras", "Ribeiros" e tantos outros.

Não precisa nem ir pra muito longe, pois ainda associamos a identidade dos filhos a dos seus pais, como quando alguem mais velho vem nos perguntar: "você é filho do João?", ou em inglês, as tantas famílias Johnson.

Dizem que os "Santos" eram os judeus que se convertidos cristôes, e que "Silva" remete à palavra "selva", um sobrenome muito difundido entre imigrantes que queriam se desvincular da Europa, escravizados e filhos bastardos dos senhores de engenho. No podcast #manoamano, o cineasta Jeferson De Rezende contou que abandonou o "Rezende" por causa da origem escravocrata dessa região do Rio de Janeiro, adotando assim seu nome artístico: Jeferson De. Achei genial, @jefersondebr.

Numa leve pesquisa, encontrei o brasão da família: estilo Game of Thrones, fundo vermelho com conchas amarelas. Os Vieiras nasceram em uma região de pescadores da Galícia, no norte de Portugal, e hoje é o 20º sobrenome mais frequente no Brasil. Curiosamente ou não, nos nomes de solteiro tanto do meu pai quanto da minha mãe, havia o Vieira.

Não deixo de associar. Minhas mãe com seus pés empoerados do Umbuzeiro, cozinhando arroz com piqui no fogão à lenha. Os Ramos das Rochas, que vem dos pais dela emaranhando entrefolhas das Vieiras lá em Inhapu na orgulhosa Fazenda Boa Sorte de 1910 do avô do meu pai.

Perguntei pra minha mãe como que o nome de uma família de pescadores da Idade Média Europeia, foi chegar à nossa origem no sertão de Minas Gerais?

Então, ela que veio pra São Paulo procurando uma vida melhor e parecendo saber que a vieira é a única espécie de molusco que se move, me responde gentilmente:

"Pois é, meu filho, as coisas andam. Sempre andam."

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