Dedos Queimados
- Bruno César Vieira
- 4 de abr. de 2013
- 4 min de leitura
Atualizado: 27 de mar.
A sensação de estar fazendo algo ilegal era terrivelmente incrível.
Nunca tinha pensado dessa maneira, mas, depois de tantos preconceitos e pensamentos negativos, olhar o crime sob uma nova perspectiva não parecia de todo ruim. Afinal, a lei já tinha errado antes, errava no presente e erraria no futuro. Não era porque algo era considerado ilegal que deixava de ser divertido.
Ele não estava sozinho. Não poderia estar.
Viajar para a praia era um dos poucos prazeres que ainda lhe restavam. Sentir o vento quente batendo em seu rosto e esquecer, por alguns minutos, seus problemas e as mazelas de um mundo deplorável. Enquanto ouvia o som das ondas se chocando contra a areia, enterrava os pés e sentia a maravilhosa sensação de desequilíbrio enquanto a terra o puxava para seu centro. Sentia-se parte de algo e, ao mesmo tempo, um estranho no ninho.
Sempre que saía de casa com sua mochila, duas mudas de roupa e material de higiene pessoal rumo ao litoral, sabia que algo de bom iria acontecer. Sempre acontecia. Da liberdade à libertinagem, mas, dessa vez, a libertação não foi apenas uma sensação.
Não sabia o nome da garota. Não queria perder tempo com inutilidades. O presente que ela lhe deu era maior do que meras convenções sociais. Conheceram-se em um luau e, mesmo passando da meia-noite, continuavam sentados na areia, ouvindo um caiçara qualquer cantar sobre a beleza daquelas praias. Ele estava certo, e não precisava de músicas para perceber isso.
Começaram a conversar e, poucos minutos depois, concordaram sobre como as selvas de pedra eram sufocantes, sugando toda a alegria e sensação de vida. A anestesia era tão grande que algumas pessoas ainda defendiam suas cidades como os melhores lugares para morar, sem perceber o mal que a falta de tato humano e a impessoalidade lhes faziam.
A possibilidade surgiu logo depois, quando ela perguntou o quão livre ele queria estar disso. Ele não queria voltar para a cidade e não podia negar nada que ela lhe pedisse. Apenas seu olhar já o fazia se sentir melhor, como o primeiro suspiro de um bebê sentindo o oxigênio invadir seus pulmões e enchê-los de vida.
Ela tirou uma caneta piloto de sua bolsinha de crochê, que devia ter sido comprada do mesmo caiçara que cantava. Retirou a tampa e segurou seu braço com delicadeza, desenhando um coração em sua pele. Nada apareceu. Com um sorriso leve e dissimulado, ela tirou também a tampa de trás da caneta e, do compartimento de tinta, puxou um pedaço de papel enrolado, contendo uma erva picada. Então, ele teve um estalo de lucidez.
Com grande destreza, ela pegou uma caixa de fósforos quase vazia e retirou um palito. Riscou na lateral e acendeu aquele fino papel enrolado.
A violência do fogo foi logo extinta, e a extremidade do cigarro ficou com um vermelho vivo lindo. Corroía ao redor e transferia seu calor para a erva ali guardada com tanto carinho. A cada tragada da garota, um pequeno barulho de ar sendo puxado e um leve estalo do papel queimando faziam aquele anel vermelho subir mais um pouco, criando cinzas. Uma fumaça densa saía: uma fina linha branca da ponta queimada e um grande chumaço de algodão virgem de seus lindos lábios.
Após algumas instruções para iniciantes, ele pegou o cigarro de suas mãos com a máxima delicadeza, segurando apenas pela ponta ainda úmeda de saliva. Olhou para ela, questionando-se se ainda dava tempo de voltar atrás para seu mundo de pensamentos amargos, amparado pelo governo. Mas aqueles profundos olhos verdes o incentivaram a tragar aquela fumaça como água. Suspirou e, de repente, sentiu a fumaça prender em sua traqueia. Quando o ar lhe faltou, soltou aquele mesmo algodão que antes ela havia soltado.
Caiu para trás na areia, vendo o infinito de estrelas no céu. Como se fosse um filme sendo exibido em câmera lenta, percebeu a lentidão de seus atos ao repassar o pequeno tubo para a garota. Viu sua mão se movendo em todos os seus quadros e frames, multiplicando-se.
A verdade surgiu diante de seus olhos, revelando o que realmente fazia sentido. Sempre fora um bom aluno de física, um pequeno entendedor do mundo. Os cálculos da ciência do movimento, a beleza do mundo real, pela primeira vez não em quantidade, mas em qualidade. O individual se juntou ao todo. E, como um caracol, o mundo e suas essências começaram a se desenrolar e fluir.
Tudo aquilo que antes parecia um problema começou a perder sentido. O quão pequeno ele era comparado ao verdadeiro todo. A patética vida superficial que levava, os protocolos sociais, os exemplos que tinha que seguir em uma sociedade baseada em futilidades e vaidades. Tudo isso o fez rir. O mundo que conhecia não existia; era apenas uma cortina de mentiras. Saber que estava em outra dimensão, vendo a verdade, fez com que risse ainda mais.
Pela primeira vez, sentiu-se parte de algo natural, não mais um estranho. Tudo estava tão perfeito que sentiu Deus, não aquele comercializado, mas aquele presente em cada coisa viva. Sentiu-se vivo e pertencente. Finalmente, ele tinha se encaixado.
A garota ainda estava ao seu lado, também deitada na areia, olhando para o infinito. Perguntou por que governantes proíbem drogas que abrem a mente, mas liberam outras que a fecham, transformando a experiência mágica da libertação em algo socialmente inadequado.
O sol já estava nascendo. Seus olhos se fechavam novamente quando percebeu que tinha que voltar para casa. Olhou para a garota, que adormecera em seus braços, pegou em sua mão e reparou que as pontas de seus dedos estavam vermelhas, levemente queimadas. Isso a fez acordar e, com os olhos ainda pesados pelo sono, disse docemente:
— Você está liberto.