Desviando
- Bruno César Vieira
- 21 de fev. de 2013
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de fev.
Ela não queria falar com seu vizinho.
Essa repulsa não fazia muito sentido. Ele era um bom amigo; desde a infância, andavam e brincavam juntos. Mas parece que, quanto mais velho você fica, menos paciência e vontade de falar com alguém você tem.
A arte de fugir de falar com alguém deve ser algo antigo. Claro que, hoje em dia, era muito mais fácil: basta pegar o celular e fingir que está conversando ou digitando alguma mensagem, e pronto, você se livrou de falar com aquela pessoa. A garota às vezes pensava na época de seu pai, ou até antes, quando não havia celular. Provavelmente, ele usava jornal. Seu pai sempre anda com um jornal nas mãos.
Talvez seja por isso que ele tenha uma facilidade inacreditável de falar com as pessoas e, acima de tudo, de as pessoas gostarem de falar com ele. Pegar o elevador do prédio sem ele era praticamente uma tortura, e sempre aparecia alguém falando sobre o clima.
Mas aquela situação específica era complicada. A garota estava indo para o trabalho e, quando estava chegando perto da estação, avistou o vizinho. Ele não era chato nem nada, mas ela simplesmente não queria falar com ele naquele momento. Isso exigiria muita atenção e improvisação de um discurso que provavelmente ambos se enjoariam rapidamente. E falar sobre o clima era tão broxante que já fazia parte do protocolo social que esse tipo de tópico deve ser levantado apenas no elevador.
Ela sabia que estava fazendo um favor para ambos. Em plena primeira hora do amanhecer, ninguém quer falar com ninguém, e a paciência era pouca para todo mundo. Na verdade, essa convicção ia se esvaindo a cada vez que ela fazia isso com alguém. No final das contas, o que a pessoa fez de tão ruim para não receber um simples "oi"?
Tudo isso começa com aquele cumprimento frio que você dá para seu vizinho. Logo em seguida, você começa apenas acenando com a cabeça ou com as mãos, e no outro dia, vocês nem se olham mais na cara. Mas, mesmo assim, caso se encontrem em algum lugar por um tempo considerável, terão que conversar. Protocolo social.
Ela não queria pegar o celular, apesar de ser uma boa tática. Sempre era meio forçada. Ela sempre odiou quando estava falando com alguém e essa pessoa pegava o celular, começava a mexer nele e simplesmente parava de prestar atenção no que estava sendo dito. Em situações como a que está acontecendo agora, isso piora exponencialmente, no sentido de que todo mundo, um dia na sua vida, já fingiu não ver alguém, e todos sabem exatamente o que o ato de pegar o celular significa.
A cada passo, a sentença ia se aproximando, e não importa o quanto desviasse o olhar, uma hora ou outra eles iriam se encarar, e depois disso não teria mais jeito nenhum. E agora já era tarde demais para voltar no caminho ou se esconder atrás de uma moita ou uma árvore.
Ela chega à fila e tenta se esconder atrás do cara gordo que ali estava. Com sorte, seu vizinho nem ia reparar nela, e tudo continuaria com seu rumo. Tudo melhora quando seu celular toca. Além de estar escondida, ela estaria ocupada demais para falar com ele agora, e não estaria mentindo.
-Alô?
-Oi, vizinha... Tô aqui na fila do ônibus, alguns lugares na frente. Corta fila e vem aqui, faz tempo que não te vejo!
-Sério? Nem te vi... Tô indo aí.
Ela desliga o celular e anda na direção do vizinho, desanimada.