ARTE DA PÓS | 2.História da Edição Cinematográfica
- Bruno César Vieira
- 6 de abr. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de fev.
A história da edição está vinculada a dois fatores: o desenvolvimento da linguagem e a exploração comercial do cinema. Assim como toda nova forma de linguagem, a edição evoluiu ao longo do tempo até chegar ao formato que conhecemos hoje.
2.1. Primórdios Europeus
A humanidade sempre teve fascinação pela imagem em movimento. Na Grécia Antiga, já se falava sobre o mito da caverna e o teatro de sombras.
A fotografia surgiu em 1816 e, desde então, vários pesquisadores realizaram ensaios que culminaram no que pode ser chamado de pré-cinema. Em 1895, com a criação do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, surgiram os primeiros filmes, que se resumiam a retratos em movimento, mostrando a vida cotidiana.
Georges Méliès
Méliès foi um dos primeiros a experimentar a sobreposição de imagens e é conhecido como o pai dos efeitos especiais. Ilusionista de formação, ele usava truques como teletransporte e substituição de cabeças nos corpos. Foi também o primeiro a produzir filmes inteiramente coloridos, pintando cada quadro manualmente antes das exibições.
Vaudevilles
Filmes curtos começaram a ser exibidos em vaudevilles, locais de entretenimento voltados para um público adulto, regados a cigarro, bebida e prostituição. As produções exibidas eram basicamente registros de atualidades, teatro filmado, apresentações de dança e mágica, contos de fadas e vídeos eróticos.
Inicialmente, os filmes não possuíam uma estrutura de edição como conhecemos hoje. Em alguns casos, narradores explicavam as cenas, pois não havia a compreensão da narrativa por meio de diferentes planos. O desenvolvimento da edição veio com a evolução do público, que passou a buscar histórias mais complexas.
2.2. Desenvolvimento Americano
O primeiro avanço significativo foi a mudança na forma de gravação. Os filmes deixaram de ser filmados apenas em plano aberto, como no teatro, e passaram a utilizar planos mais fechados.
O plano americano, por exemplo, que enquadra o personagem da coxa para cima, surgiu nos filmes de faroeste. O close, inicialmente chamado de "plano francês", foi utilizado pela primeira vez na França.
Edwin S. Porter
Edwin S. Porter foi um dos grandes inovadores desse período. Trabalhou com Thomas Edison e contribuiu significativamente para o desenvolvimento da narrativa cinematográfica.
Life of an American Fireman: Primeiro filme americano com enredo, composto por sete cenas, incluindo um close na mão puxando um alarme de incêndio. Utilizou sobreposição de imagens para representar um sonho e mostrou a mesma ação sob diferentes pontos de vista.
O Grande Roubo do Trem: Um dos primeiros filmes a dividir a narrativa em cenas distintas e mostrar ações simultâneas em locais diferentes. Com 12 minutos de duração, foi um marco na evolução da linguagem cinematográfica.
D. W. Griffith
D. W. Griffith foi um cineasta inovador que revolucionou a narrativa cinematográfica, apesar de suas obras conterem conteúdo racista.
O Nascimento de uma Nação (1915): Introduziu a variedade de planos e a complexidade narrativa, mas glorificava a KKK e retratava personagens negros de forma estereotipada e completamente racista.
Intolerância (1916): Em resposta às críticas, Griffith produziu um filme ainda mais grandioso, intercalando quatro histórias que abordavam o tema da intolerância ao longo da história.
2.3. Escola Russa
O cinema soviético teve seu auge próximo à Revolução Russa, impulsionado pela ideologia marxista e influenciado por Intolerância, de Griffith. Lenin incentivou a criação da primeira escola de cinema do mundo em Moscou (VGIK).
Lev Kuleshov
Kuleshov foi o primeiro a teorizar sobre o cinema e seus efeitos psicológicos.
Efeito Kuleshov: Demonstrou que a sucessão de imagens cria significados distintos. No experimento, um ator com expressão neutra foi alternado com imagens de um prato de comida, uma criança em um caixão e uma mulher bonita, fazendo o espectador interpretar emoções diferentes.
Geografia Criativa: Defendeu que a montagem pode criar um espaço fictício crível, independente dos locais reais de gravação.
Sergei Eisenstein
Aluno de Kuleshov, Eisenstein expandiu as possibilidades do cinema ao romper com a influência teatral. Em Encouraçado Potemkin, utilizou mais de 1300 cortes, número muito superior ao comum na época.
Montagem Dialética: Defendeu que o contraste entre imagens cria um novo significado. Exemplo: um batalhão marchando (tese) + manifestantes correndo (antítese) = cena de opressão militar (síntese).
Tipos de Montagem:
Métrica: Baseada no tempo dos cortes (ex: Réquiem para um Sonho).
Rítmica: Determinada pela ação das cenas (ex: lutas em Matrix).
Tonal: Foca na emoção da cena (ex: Forrest Gump correndo).
Atonal: Usa contrastes para criar choque emocional (ex: cena do batizado em O Poderoso Chefão).
Intelectual: Relaciona conceitos abstratos (ex: elipse de 2001: Uma Odisseia no Espaço).
Vsevolod Pudovkin
Colega de Eisenstein, acreditava que a edição controlava as emoções do espectador. Definiu cinco métodos de montagem:
Contrastes: Choca o espectador com sequências opostas (O Poderoso Chefão).
Paralelismo: Conecta cenas por semelhanças visuais ou narrativas.
Simbolismo: Usa metáforas visuais (ex: ralo em Psicose representando a morte).
Simultaneidade: Conta histórias paralelas (A Origem).
Leitmotif: Repetição de elementos para criar expectativa (ex: tema musical de Tubarão).
Dziga Vertov
Vertov defendia um cinema documental revolucionário e acreditava que toda escolha cinematográfica era política.
Cine Verdade: Movimento que rejeitava encenação e buscava capturar a realidade.
Cine Olho: Considerava a câmera um "superolho", capaz de mostrar o que o olhar humano não percebe.
O Homem com a Câmera (1929): Um dos primeiros documentários metalinguísticos, mostrando o próprio processo de edição.
O impacto dessas escolas de montagem permanece até hoje, influenciando desde os documentários do Dogma 95 de Lars Von Trier até os blockbusters contemporâneos.
2.4. Outros Movimentos
Existiram outros movimentos na história do cinema que influenciaram muito no processo de edição, como por exemplo:
Cinema de propaganda nazista de Leni Riefenstahl
Nouvelle Vague Francesa, Truffaut e Godard
Cinema Japonês de Kurosawa
Cinema Novo Brasileiro e Glauber Rocha
Documentários nacionais e Eduardo Coutinho
Dogma 95 de Lars Von Trier