O Nome de Deus
- Bruno César Vieira
- 24 de abr. de 2014
- 4 min de leitura
– Você fuma maconha?
Pergunta a mulher sob a luz baixa do restaurante.
O jovem se assustou. Não esperava uma reação dessas vinda daquela mulher. Loira, com mechas que caíam sobre os olhos, amarrados em um coque que deixava à mostra uma nuca lisa e sensual. Vestida com um tubinho branco justo, e por baixo um corselet que poderia enlouquecer qualquer um.
Ela era uma gostosa.

– Injeta heroína ou cheira cocaína? Fuma crack? Bebe cerveja? Pinga, martini, vinho, gim? Refrigerante ou Crocodil? – pergunta provocativa – Internet ou televisão?
O homem não reage.
– Desculpa se eu fui invasiva, mas estou perguntando porque eu já usei tudo isso. - diz ao brincar com a taça.
Normalmente o homem não se misturava com uma mulher como ela, mas ela sabia se misturar no mundo dele. Conhecia aquele tipo de mulher, pois ela tinha o mesmo cheiro que suas empregadas. Não existia aquele tipo de mulher no seu convívio, mas apesar de tudo, aqueles olhos verdes ainda o intrigavam. E ele estava prestes a fazer um loucura.
– Acredita nisso? – ela continuou rindo – Eu sou uma total e incompreendida viciada em drogas. Se dá um barato, qualquer que seja, eu topo. E sabe por quê? Porque a realidade é dura demais para ser vivida não é? Olha só a porra da cidade em que moramos!
Do Terraço Itália mal dava para ouvir os gritos de socorro dos mendigos e viciados lá embaixo. Ali de cima eles eram diferente. Ali, eles estavam fazendo outra coisa.

– Precisamos fugir às vezes. Alguns fogem mais do que outros, mas a questão não é essa. A questão está na procura. Todo mundo quer achar o método definitivo de fuga, e é exatamente por isso que estamos aqui hoje... – ela pausou levemente, e com um olhar malicioso, e concluiu – Nós achamos.
Ele riu com a audácia dela. Ele não conseguia mais esconder o interesse que crescia dentro dele. Ela é bonita, com certeza, mas mulheres bonitas são fáceis de manipular. No fim das contas, todas elas sabem onde é o lugar delas. Mas agora a curiosidade, tinha virado atenção, fazendo ambos dançar em um palco invisível, tentando um dominar o outro.
– Você ainda não me convenceu a te dar essa pequena fortuna.
O homem era o estereótipo do branco unicórnio. Recém-formado e trabalhava no alto escalão da indústria do pai. Jovem baladeiro, adorava se jogar nos seus paraísos artificiais, repletos de música, mulheres e, claro, as drogas mais sofisticadas.
E aquela mulher estava oferecendo algo novo. Diferente de tudo que ele já havia experimentado. Algo que prometia ser a fuga definitiva. Ele tinha dinheiro de sobra, mas estava preocupado. Pessoas que vem de onde ela vem, tendem a enganar, era o que ele achava.
– Não existem palavras nos dialetos humanos conhecidos que descrevam o que esse miserável bastão faz com a sua cabeça. - diz tirando da bolsa algo parecido com um batom todo azul enrolado em plástico filme.
– É sintético ou natural? – pergunta inocente.
– Você acha mesmo que Deus seria tão bom com a gente? – ela disse rindo – A menos que isso seja um extrato do fruto proibido que Eva comeu. Aí sim eu digo... Éden nenhum valia a pena.
– Você trata como se fosse um segredo... - Pergunta ao perceber que está escorado na mesa, de tanta curiosidade.
– Mas é claro! Isso te leva para um mundo das ideias de Platão. Você não fica limitado pelas imperfeições desse mundo sensível. Tudo é puro, verdadeiro e eterno. Você acorda se sentindo como se tivesse descoberto um segredo que o mundo ainda não conhece.
– Qual o nome dessa maldita droga afinal?
– Ainda não demos. Envolve um pouco daquela coisa do segundo mandamento, sabe?
– Não usarás o nome de teu Deus em vão - ele sussura lembrando de suas aulas de crisma.
– Vejo que, assim como eu, é alguém religioso – disse ela tirando sarro.
– Temos que acreditar em alguma coisa, não é mesmo? No que você acredita?
– Eu acredito nessa porcaria de tubo azul!

– Você é uma incrível filha da puta de uma ótima vendedora, sabia? - responde rindo.
– Além de drogada, sou uma mulher de negócios. – sorriu.
O homem convencido, ainda não quer perder. Queria questiona-la uma última vez. Tinha que provocá-la de verdade.
– Se você é uma viciada mesmo, não é muito diferente daquelas pessoas lá de baixo. Você está linda aqui, realmente engana se misturando com a gente, mas você não é daqui. Você sabe disso...
A veia na tempôra da garota salta de preoupação. No fundo, sabia que a confiança era uma moeda frágil, especialmente em um jogo onde ambos estavam tão acostumados a enganar.
– Ou você não sabe com quem esta lidando, ou é realmente a mulher perigosa que diz ser. – se orgulha ao vê-la abalada – De qualquer forma, por que eu deveria mesmo confiar em você?
Como se tudo aquilo fosse realmente fosse óbvio, ela entende que nunca teve nada a perder, mas pra ele, aquilo era só mais um jogo de poder e influência que homens como ele estão acostumados. Ela pega a taça, respira, e toma um longo gole da bebida escarlate.
– Bom... se até agora nada funcionou, confie em mim porque sou bonita pra caralho!
Foi um bom jogo e ambos sorriem. Eles sabiam que naquela noite eles iriam se machucar.
Texto baseado em diálogos com Matheus Moreira.