Paraíso Tropical
- Bruno César Vieira
- 17 de fev. de 2013
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de fev.
O homem acordou na praia.
Depois que se casou, há alguns anos, o maior sonho do jovem casal era viver em um paraíso tropical. Havaí era muito clichê, além de ter enxurradas de surfistas sarados que andariam pra cima e pra baixo com suas pranchas, o que afetaria, em alguns níveis, o seu ciúme. Não poderia esquecer as garotas de biquíni, é claro, mas ele conhecia a mulher que tinha em casa e não a trocaria pela modelo que fosse.
Existiam outros lugares que pensavam também, só que nada era um plano para hoje ou amanhã. Era o sonho para o final de suas vidas. Atualmente, ambos trabalhavam muito em grandes corporações do capitalismo imperialista, mas não gostavam de pensar assim, pois eram eles que pagavam suas contas, seu lazer e a boa vida que tinham.
Boa vida significava coisas que antes ele não tinha. Vindo de uma família humilde do interior do estado, ele tinha que dividir tudo com seus outros três irmãos. E existiam regras básicas, como na hora do jantar, quando a mãe fazia frango assado (seu prato preferido). Era sempre o pai, a mãe e os irmãos mais velhos que escolhiam os primeiros pedaços. Ele tinha cansado de comer pescoço, e a sobra das asas já não o satisfazia há muito tempo.
Começou a estudar e batalhou para chegar onde estava. Sabia que estava em um lugar de prestígio, e sua mulher também.
Conheceu-a no estágio. Depois de muito lutar, resolveu falar com ela, e ela perguntou por que ele demorou tanto tempo para chegar nela. Sua vida não era conhecida pelas grandes conquistas amorosas, e isso, na verdade, nem importava muito. Sempre foi um garoto esforçado, mesmo com seus pais não o apoiando ou dando qualquer incentivo que seus irmãos mais velhos sempre tiveram. Mas hoje ele estava lá, e seus irmãos e pais não.
Percebeu que estava com uma dor de cabeça inacreditável, mas isso deveria ser o menor de seus problemas. Naquelas circunstâncias, principalmente. A fumaça e os gritos irritavam ainda mais seus olhos e seus ouvidos. O caos que estava ali o estressava.
Pensou na esposa de novo. O que ela falaria vendo-o ali, caído na areia de terno? Apesar de irônico, sua vida perfeita de morar na praia não se parecia com nada do que ele estava vivendo ali. Na verdade, nem ele sabia o que pensar sobre isso. Sua única certeza que tinha ali era que estava com saudades de sua mulher, e que isso deveria ser recíproco.
Tinha pedido folga um dia antes da viagem para passar mais tempo com sua mulher, ainda mais porque iria pegar o avião na primeira hora do amanhecer. Passaram um dia incrível vendo clássicos do cinema, almoçando no grande jardim de sua casa, perto das flores e de frente para a grande fonte, que foi presente de aniversário de seu sogro.
Acordou 4 horas antes de sair de casa, como sempre fazia quando tinha que pegar um avião. Mas, excepcionalmente, dessa vez ele quase perdeu o avião, pois sua mulher lhe puxou para a cama de novo e fizeram amor como se não houvesse amanhã. De fato, não houve, mas ele evitava pensar nisso e pensava somente nas últimas palavras que ela tinha dito:
-Ainda não fiz o teste, mas acho que estou grávida.
Acordou com a comissária de bordo colocando uma máscara de oxigênio em seu rosto. Perguntou o que estava acontecendo, e, com a face da mentira, ela disse:
-Nada demais, senhor. Apenas rotina.
Claro que era mentira. A turbulência estava muito forte, e durante os anos em que pegou avião para viajar a trabalho, nunca tinha pegado uma turbulência tão forte e violenta daquele jeito. A alavancagem puxou a comissária para o teto do avião, e uma mala de mão caiu do bagageiro batendo exatamente na cabeça dele. Isso o fez desmaiar e não ver o resto do caos. Talvez seja por isso que sua cabeça estivesse doendo tanto.
A gritaria e o caos que reinavam na areia branca daquela praia deserta eram assustadores. O motor do avião ainda girava freneticamente, e pedaços gigantescos da fuselagem pairavam entre a areia e a água. Pessoas gritando e correndo, e a cor vermelha estava presente em todos os lugares para onde ele virava os olhos. Estava com medo e queria estar na cama com sua esposa naquele momento.
Mas o homem acordou na praia.
Sozinho.
